segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Faço questão de não entender o que eu digo.

só lá fora o tempo passa
- aqui dentro eu sou a mesma -
os mesmos sonhos desde criança
a mesma aversão ao meu corpo prisão
as janelas abertas da alma não mais existem
sobrevivo pouco
reflito demais sobre nada
cada passo um milhão de anos
um bocado de cicatrizes
nos pensamentos da minha cabeça
sem dinheiro para apagar a conta
pago muito do que não tenho
para continuar de pé no parapeito
sem coragem nenhuma de dar o passo
eu não passo
permaneço a mesma sem asas
ou amortecedores
da queda restam só as dores
pernas mancas
para gritar em silêncio
precisei ficar tão distante
que não entendo mais a necessidade
de caminhar sem rumo ou com rumo
tanto faz
não tenho chaves tilintando no bolso
tampouco fôlego
- permaneço cansada -
não falo,
não aponto,
não vejo mais nada
até o ponto de não mais me notarem
à beira
sou túmulo
de mim mesma

sábado, 22 de setembro de 2018

Parei de escrever porque só escrevia a dor. E parecia que ela era tudo sobre mim.

Hoje eu tenho muito mais dores, mas bem menos vontade de fortalecê-las. Passo muito tempo pensando em mim e nas minhas; muito menos tempo pensando no amor dos outros. Quero o amor das outras. 

Tenho lutado pra não me perder de vista. Mas confesso que não faço ideia de onde estou, muito menos de para onde ir. 

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Custa.

uma tristeza sem fim
curada aos poucos
a depressão remediada
por grandes viagens a São Paulo
em busca de carinho
comprar roupas novas para se ver de outra forma
descontar tudo na psicóloga particular
gastar parte de tudo o que tem pra se sentir melhor

e eu?
o que faço pra me distrair da tristeza
se o tempo todo preciso pensar
no que vou comer
como vou chegar
o que vou fazer pra
não esmorecer
ir de posto em posto
unidade de pronto atendimento
pra descobrir que não tenho saúde
ou dinheiro
pra cuidar de mim
passar os dias sem ânimo algum
para assistir ao espetáculo
do meu corpo enquanto ele falha

o que é sentir-se só
e pedir um Uber no meio da madrugada
e ir a qualquer lugar habitado
eu não sei o quão doloroso é
ter a oportunidade de simplesmente
esquecer

exceto o dos bolsos
parece que carrego peso demais comigo
você me diz pra não levar tão a sério
pra estar junto das minhas
mas tenho muito poucas moedas
pra remunerar o afeto
dado de bom grado

não tenho depressão
tenho pressa

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Menina.

enquanto reforçam forçam
os paus em você
o seu pau em você
mistificam os pelos do seu corpo
e pelo seu corpo desenvolvem apego nojo
deleitam-se em manter-te como a imagem refletida
em superfícies pouco nítidas
essa pica não sou eu

mutilam-te pela mente
desmentem
sua identidade
resumem tudo ao vestido ao cropped
à fala de tom ferino
fe mi ni no
querem que ande desarmada de você
desalmada
uma carcaça desabitada
orando terços inteiros pra continuar
masculinizada

cunetes curras dentro de banheiros
estar sempre aberta pra paus forasteiros
resvalarem seus medos
sempre em segredo
sair sangrenta de corpo e sentimento
esporrada enterrada em cimento
sete palmos mais distante de reconhecer-se

matam o meu corpo mas eu não sou uma só
matam o meu corpo e eu não sou uma só
podem matar o meu corpo mas no terceiro dia
morre outra 
se renova a profecia

terça-feira, 12 de junho de 2018

a solidão rói a minha mente
e eu conheço tanta gente
que também olha a janela
e acha atraente

desde que eu nasci
me dizem para dar fim
a mim

sábado, 9 de junho de 2018

Destino.

engraçado como a calvície
abrindo espaços entre os cabelos
consegue ainda anunciar o seu caminho

deixa tudo desenhado
antes de acontecer
mas é traiçoeira
mesmo assim

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Escrita Automática VI - Pedra.

gosto pouco da ausência
prefiro pequenas brechas
tempo
pra
respirar

te vejo de longe
tragando os ares
alargando as brechas
como se eu fosse uma jaula

eu não quero ser jaula
de ninguém além de mim

todos os meus lados bons
estão arquivados em tempos passados
parece
agora só tenho defeitos
maus jeitos
sempre a mais
amando a mais
esperando a mais
sentindo a mais
sempre sou coisa demais
apesar de me sentir bem menos
pequeno
uma caixinha de fósforo
ainda asfixiante o bastante

sou uma jaula de grades abertas
entra na minha prisão quem quiser
e quase sempre ao notar
o espaço de dentro da coisa bonita
você desespera, corre, grita
quando as grades continuam espaçosas
pra você ter ido embora antes
a qualquer momento
nunca precisei de aviso
comigo
eu mesmo resolvo
curo
finjo de morto
mas resolvo
mesmo sendo cárcere
me pego às vezes na vontade
de, igual a você, assim
voar pra longe de mim

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Pastilha de naftalina.

desde criança
aprendi que se deve 
vestir as roupas de acordo
com a vontade dos outros
de te esconder

não rebole
não beije
use os artigos no masculino
assim cortado fica lindo
mas ainda não vai dar em nada
essa história de querer ser
amada

você diz que parece
que eu ando sempre armada
mas eu nunca quis empunhar nada
antes de ser obrigada 
a atirar primeiro
porque o meu corpo é que é chacota
feito pra divertir o mundo inteiro
nas casas eu nunca passo da porta
e o ninho de amor é sempre
o banheiro

ame dentro deste espaço
não faça barulho
e agradeça que,
no escuro,
sem riscos de flagra
vou ser o melhor cara
que já te fodeu



quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Escrita automática V - Eme Xis.

tenho amado sem perceber
o tamanho do peso ou da leveza
coisas que sempre estiveram aqui
obrigatórias
dentro de mim
eu nunca me permiti sentir por sentir
sempre acelerava o abraço até a partida
sem nem saber se ia mesmo partir
acabou que fiquei no mesmo lugar
preso no medo de amar
acumulei-me detrás de muros
que você pula com uma imensa facilidade
e mesmo assim tenho sido 
indiscutivelmente eu
e isso não tem sido
problema nenhum 

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Um pouco de medo.

há um carinho implícito
e assustador
no jeito que a gente se olha
por cima da mesa
aparentemente sem razão alguma