domingo, 28 de novembro de 2010

Imóveis.

Ela estava suja, imóvel e completamente indefesa. Doía vê-la do único jeito que eu nunca teria querido ver: desprotegida.
Os olhos dela ainda conservavam as lágrimas que havia chorado tão incansavelmente. Fiquei ali parado, olhando em seus olhos petrificados por muito tempo; tempo esse que ainda que perdurasse por uma eternidade pareceria pouco.
Tive medo de não tê-la amado o bastante. Tive medo de tê-la feito sofrer. Tive medo de que tudo aquilo fosse real; e eu tinha certeza que era.
O insuportável vislumbre que amorte deixara era esse: a mulher da minha vida despedaçada. E por minha causa.
O grito até então engasgado saiu, com o nome dela. Berrei o seu nome até ter certeza de que ela já não me ouvia. Nunca mais ouviria.
Então ela ergueu a cabeça. A felicidade me atingiu em cheio ao ver que ela ainda se mexia. E mexeu-se para, mais uma vez, encontrar com os olhos o meu corpo no chão estendido sobre a enorme poça de sangue. E, pela última vez, ela deixou que as suas lágrimas caíssem sobre mim.

Lembro-me.

Flores brancas talvez não fossem a coisa certa. Aquele terno cinzento talvez não fosse a coisa certa. Estar ali talvez não fosse a coisa certa. E chorar, chorar era a coisa certa? Não sabia. Mas ali estava eu, sob um chuvisco incômodo e me perguntando o que era certo e o que era errado.
Arremessei as flores junto ao seu nome estranhamente gravado num pedregulho tosco.
Não estava pensando nela, não. Estava pensando em mim. Pensando no quão fácil tinha sido ficar sozinho. No quão fácil tinha sido parar de chorar. No quão fácil tinha sido esquecê-la. Pensando no jeito em que a expulsei de mim. E mesmo assim, ali estava eu, derramando lágrimas envelhecidas e me quebrando aos pedaços. Lembrando-me dela, esquecendo-me de mim. Do jeito que eu odiava estar. Do jeito que somente ela conseguia me deixar, mesmo morta. Talvez por isso eu houvesse me forçado a esquecê-la e não desabar. Nunca desabar.
E, logo após, a minha fuga: deixá-la para trás novamente.

sábado, 27 de novembro de 2010

Lissa e Tiago.

O seu vestido esvoaçava, mas não produzia som algum, tão leve que era. Os cabelos também esvoaçavam, mas esses, mais densos e mais pesados enchiam o ar de um leve som incômodo.
Ela olhava-o nos olhos sem esboçar sorriso ou emoção, talvez apenas os olhos ostentassem o tanto de ansiedade que a mastigava por dentro.
- O que você tem pra me dizer? - perguntou, com muita hesitação, mantendo o olhar nas folhas amarelas que rolavam e se enrolavam no chão.
O garoto manteve-se firme em seus sorrisos, de mãos para trás, de coluna ereta e coração frenético. Seu olhar pairava da janela até o chão e do chão até os cabelos de Lissa; sem olhá-la nos olhos, é claro.
- O que você tem aí atrás, Tiago? - foi direta dessa vez (e somente dessa vez), percebendo logo o peso que as suas palavras haviam deixado no ar.
Ele avermelhou-se de imediato e na tentativa de modelar as palavras, elas mal saíram.
- Uma coisa. - disse rapida e inflexivelmente, olhando imediatamente para o chão novamente.
Lissa aproximou-se dele, inclinando-se e esquecendo a própria vergonha. Aquela sempre fora uma garota atrevida.
- E essa coisa é bonita?
O garoto suspirou, em desistência. Levou à frente da garota nada mais que um buquê de flores cinzentas miúdo e malcuidado. Ele mesmo as colhera e isso era mais do que perceptível.
Os olhos de Lissa brilharam como pequenas pérolas e ela já foi estendendo as mãos e deixando as lágrimas surgirem.
- Você poderia entregar isso para a sua irmã? - pediu o outro, de olhos baixos.
A garota parou imediatamente, ainda de braços estendidos e sorriso no rosto.
- Para a... Para... Isso é para a Magda? É para a Magda? - indagou quase que raivosamente e sem controle nas palavras.
Tiago apenas assentiu, com os olhos baixos.
- Você pode entregar?
Lissa ergueu a cabeça, segurando as lágrimas numa luta bruta com as suas pálpebras. Apenas segurou as barras do vestido, virou-se de costas e disse, antes de se retirar:
- Não.