sábado, 28 de maio de 2016

Perímetro.




apressado
eu
passo
você
acha 
engraçado
diz que eu tenho rebolado
enche a boca e grita
— viado!
não caiu a sua ficha?
sempre que cê grita "bicha"
é como um chamado
eu paro, sem jeito,
a sua porta
sorrio, mando beijo
grito de volta:
— obrigado!

sábado, 14 de maio de 2016

parece erro dos dedos ao digitar
mas eu te ano
como nunca pensei anar
pouco tempo fez
e eu tanto te mês
que sentir já não me engana
eu te quinzena, te semana
você nunca imaginaria
o quanto eu te dia
e que a distância é um açoite
é ferimento de espada
eu te noite
te madrugada
nesse tempo diminuto
já te minuto
no girar do mundo
eu tanto te segundo
que em milésimos de centésimos
depois de períodos enésimos
tempo, espaço
te tique
te taque
te metro
te quilômetro
te relógio e te termômetro
em tempos de amor mudo
posso parecer louco
mas tanto te tudo
que qualquer tempo é muito
pouco

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Timóteo 5:5-6

Tive sede, mas não me movi. Queria evitar os espelhos no caminho até a cozinha.

Sentei-me à luz da janela, a qual havia deixado meio aberta para, de vez em quando, entreolhar o lado de fora. Tanto quanto o quarto, a rua estava vazia, o chão molhado, o céu nublando e desnublando de hora em hora, sem saber se chorava ou não chorava, se anoitecia ou se a luz do dia já era triste o bastante.

Flores por todos os lados. Coroas, arcos, jarros de pálidos crisântemos congestionavam a vista. Não estavam ali de enfeite, mas sim porque o cheiro floral disfarçava o da putrefação.

Esquecido sobre a cama, um corpo. A pele era de um escuro claro, as mãos morreram feito garras, os dentes amarelados como as pontas dos dedos, os cabelos crespos quebradiços espalhados pelo chão e pelo travesseiro, lábios enormes ressecados feito pedregulho. Tinha calos nas mãos e nos pés: nos pés porque vestira sapatos apertados demais durante toda a vida e nas mãos pelas cartas que escrevia incansavelmente. Nunca as enviava. Às vezes, amassava os manuscritos em bolas de papel e enfiava na boca, mastigava, engolia, as dobraduras iam pontudas arranhando a garganta por dentro, tossia do gosto amargo da tinta, nunca cuspia, chorava, arrependia-se. Algumas palavras não conseguia lembrar novamente depois — quando tentava reescrever tudo aquilo que fora goela abaixo. 

A porta do quarto era de madeira como um caixão, a da sala era madeira também, mas caixões podem ser de vidro e do material que quiser que seja, a única exigência é que nunca seja escolha do cadáver. As portas poderiam simbolizar os caminhos, as novidades, desejos profundos, as pernas abertas do mundo, a angústia de não pertencer a lugar nenhum que não se encontre da pele para dentro, chorar é jogar fora o que morreu nas entranhas.

Morrer, morrer, morrer. 

Um dia se abre os olhos e a vida é toda sobre a morte.

Funerais ocorrem o tempo todo. Ao ar livre, entre quatro paredes de cimento, de gesso, de tapume, enfeitadas ou não, sob um teto ou não, há o pranto, o silêncio, a incontrolável risada, de dia, de noite, em oração ou em silêncio, de mãos dadas ou afastadas pelo tempo, a mágoa sempre há, pode-se estar em multidão ou a dois. Há funerais sem cadáver algum.

Tenho cortado limões ao meio e espetado cravos neles. As moscas, no entanto, permanecem. O ruído é insuportável. A morte só é silenciosa para quem morre.

Olhei o lado de fora, a rua vazia, o cheiro forte, os olhos fechados, as mãos como garras, as lágrimas secas, as poças no chão, o forte zumbido, eu não quero morrer, soluço, o lápis sobre a mesa, o sol escondido, a noite nunca chega, eu não quero morrer.

Por favor, não me deixe aqui.