segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Métrica.

tem quem narre poesias
como quem descreve o nascer
do sol
ao pé da praia
ou como quem dá entrevista no rádio
as palavras vão limpas
minuciosamente entoadas
rimas muito bem escolhidas
ou como quem esculpe
não me culpe
mas eu, não
escrevo como quem agacha
na beira da estrada
apóia as mãos sobre as coxas
e, com as faces já roxas,
vomita a sopa entalada
já transbordando pela garganta
ou como quem
se segura o dia inteiro
e depois de uma rotina de trabalho amarga
finalmente chega em casa
e se caga
a dois passos do banheiro
também como quem ama demais
pra escrever cartas legíveis
em meio ao desespero mudo
de confessar tudo
mas tem quem escreva como quem esculpe
em mármore
como quem planta uma árvore
não me culpe
sou um poeta que não esculpe
meus versos mais parecem cuspe
do que teses
minhas dores
não vêm num buquê de flores:
despejo-as todas como as fezes
sobre o papel

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Ladeira.

com uma faca de serra
quero arrancar a sua pele

mas não qualquer pele
quero um pedacinho daquela pele fininha
de trás da sua orelha

depois eu poderia costurar o retalho
bem no meio
do meu buço
debaixo do meu nariz
pra ficar te cheirando
sem precisar reviver toda aquela merda
que éramos juntos