quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Uma vez na multidão.

Passavam rapidamente diante da minha vista, as pessoas. Ela passeou ao redor delas e então embrenhou-se, encolhendo os ombros, entre todos os traseuntes. Mas ela não era igual aos outros. Mesmo entre tantos, ela se destacava de modo tímido, delicado, sem muito alarde. Ia de um lado a outro, girava, tentava encontrar uma saída entre todos os ombros que barravam a sua passagem.
Cessei a minha andança ali mesmo, só para vê-la tentando abrir caminho entre o labirinto de indivíduos que eram, aos meus olhos, invisíveis e sem encanto algum.
Foi de um ombro a outro, de um empurrão a outro, até que seus joelhos cederam e ela se deixou cair neles, mas sem perder a suavidade dos jeitos.
Dirigi-me até ela, de mão estendida, sorriso no rosto. Eu poderia tê-la observado levantar de longe, com igual maciez, e se embrenhar na multidão, sem sequer imaginar que certa vez o meu olhar a espreitara. Mas teria eu oportunidade maior de olhá-la nos pequenos olhos e mostrar-lhe o quão importante aos meus olhos ela era? Que apenas a sua existência, uma vez embelezara toda um multidão em euforia?
Porém, ela não me deu a mão. Levantou-se, mas sequer mostrara interesse em me olhar na face. Limpou as roupas vagarosamente, sem preocupação, sem pressa. Depois deu-me as costas, sem fazer menção de que percebera a minha presença.
Impeli-me novamente em sua direção, persistente. Estendi novamente a mão, dessa vez almejando os seus ombros curtos e que mais pareciam de plástico tamanha era a delicadeza deles.
Ela virou-se em minha direção. Eu vi os seus olhos; e se esses eram eles, ainda não me foge a perplexidade. Com esses olhos frios que não lhe cabiam no rosto e que lhe dava na face a feição que a assemelhava a todos os outros.
- Não me toque.
Apenas isso disse e sumiu entre os outros rapidamente. Deixei-a ir, pois, não importavam os seus delicados ombros quando os seus olhos eram tão duros quanto pedra.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Permissão.

Silêncio.
- Você não pode fazer isso.
- Não seja rústico, pai! Eu já tenho dezenove anos!
- Você não vai namorar e ponto final!
- Vou. Com a sua aprovação ou sem ela.
- Não seja atrevida!
- E você, diga alguma coisa!
- O seu pai me assusta. De verdade.
Silêncio.
- Poderia ser qualquer menino! Mas não...
- Ah, então é isso!
- É, é isso.
Silêncio.
-
Você não pode me impedir.
- Você já está me dando nos nervos.
- Eu ainda não entendi qual é o problema.
- Não entende?
- Não, eu não entendo.
- Você não pode namorar essa garota!
- Claro que posso!
- Você nunca me disse que era lésbica...
Silêncio.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Nunca fora.

Achei ter acordado. Ao lado dela. Os cabelos, os olhos, o rosto, o resto.

A mulher que me forçava a nutrir esses sentimentos incondicionais. Eu não diria amor incondicional, não. Mas furor incondicional, paixão incondicional, e até mesmo dor incondicional. Eu sei que isso é amor pra muita gente, mas pra mim ainda não é.

O que é amor pra mim? Ah, amor pra mim é como um estado de loucura. É, loucura. Uma mistura de sentimentos, alucinações e outras coisas mais que desnorteiam a mente. E tudo o que confunde a cabeça, pra mim, é loucura.

Pois bem, lá estava ela. Eu não havia visto quando ela chegou e nem escutado os seus passos ou o barulho da maçaneta girando. O que sei é que ela estava ali, ao meu lado. Talvez ela nunca tivesse ido. A sensação que eu tinha é de que ela sempre estivera ali, com a cara enfiada no travesseiro.

O seu cheiro continuava o mesmo; indescritível. Não era cheiro de rosas, ervas, essências ou coisas do tipo. Era o cheiro dela. Era único, simples, inconfundível.

Apenas o pensamento de sua ausência me cortava ao meio, me matava, me apagava. Se eu não a tivesse em minha cabeça, com certeza, não seria mais nada. Só uma metade solta. Totalmente sem sentido.

As minhas pálpebras então avisaram que a luz do sol já invadia o quarto, incomodadas. Abri-os, percebendo que não estavam abertos antes. Eu estava sozinho na cama, agarrado ao travesseiro dela, sentindo o seu cheiro...