segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Recife #3.

o resultado de abrir frestas à força
é sempre uma ferida aberta
por onde entram as coisas
por onde entram as pessoas
pra arejar o quarto

sábado, 14 de outubro de 2017

Recife #5.

talvez a gente não tenha
tanto tempo assim 
pra ficar se procurando 

não me achei em mim até agora
desconforta não saber quando ou se
tudo aqui dentro de mim
vai parar de se maltratar
assim
sem perceber

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

mãe,
todo dia eu penso na saudade que eu sinto do seu sorriso
na saudade que vou sentir do seu sorriso

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Tecla Esc.

os dias da semana
dissolvem nos copos d'água
esvaem-se num só gole
amargam o céu da boca
adormecem a língua
afagam as papilas gustativas

deixo cair mais um comprimido de tempo
tempo comprimido
fecho os olhos pra sentir o gosto ruim
mas não sinto nada

sábado, 2 de setembro de 2017

Namorada.

minha pele estranha os toques
desacostumou da calidez
parece que esqueceu-se
da sensação que acompanha
um pequeno beijo
no lugar certo

o arrepio
o frio na barriga
os olhos que se encaram de perto
o toque dos lábios sem língua

afeto
dormência
viver pra sempre nas aparências
ou simplesmente não viver
não se ver mais em abraços
ou em confidências

com o lóbulo na boca
não lembrar mais o sentido
dos sussurros ao pé do ouvido

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Recife #1.

cidade ora casulo
ora gaiola
coincide
com o meu corpo
que às vezes liberta
mas eu nunca posso sair
de verdade

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Carolen.

te deixar aqui sozinha
é a minha maior agonia

o barulho da porta da frente
já não te acorda mais
quando chego no meio da noite

tenho medo, mãe
de não poder mais voltar
de nadar pra longe demais
e as águas te levarem
de mim

9.

não sei se preciso
passar de casa em casa
pra catar o que deixei

sem querer
já fui embora
assim mesmo
faltando pedaço

eu sempre digo que não tenho
tempo
pra voltar
mas sempre acabo voltando
pro mesmo lugar

sexta-feira, 21 de julho de 2017

viciei na solidão
nesse compasso triste
de decidir tudo por si
sem nunca dividir o que se carrega
sobre os músculos das costas

ouço só a minha própria voz
ou o pesado silêncio
de ser o único a permanecer
na minha própria vida

domingo, 16 de julho de 2017

Ex-endereço.

você já gostava de ir ao centro da cidade
quando eu ainda nem via beleza nenhuma
em nada além de mim mesmo

acumulei
nos cantos da sua casa
acho que fiquei por lá

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Acarajé.

o naco de unha comida
preso
enganchado
entre os dois segundos dentes
na fração de tempo que a língua passa
insistentemente
depois de dois segundos
ainda sente
a gengiva que sangra áspera
o gosto da saliva quente
tingida um pouco de vermelho
lembra demais a sensação do seu beijo
que ficou na boca na mente
mas só tira sangue
da primeira

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Protocolo de correspondência.

pra mim os meus
sonhos todos somem
eu durmo
e
de
repente
já acordei
tão de repente
tenho que voltar a ver
voltar a ser
alguma coisa pra você
que eu nem conheço
e já obedeço
sem nem querer

eu visto as suas roupas
imito o seu modo de falar
faço as mesmas coisas
na mesma ordem
todos os dias
sem
parar

menos na folga
vinte e quatro
longas
horas
pra fazer
o que quiser

pra fazer
o que você quiser
comigo

Vândalo.

andam pela pele
ainda as suas mãos

Helena.

se amadurecer fosse
na verdade
ir se perdendo aos poucos
à medida que o tempo
passa

não sobraria nada

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Sapatos combinando.

meus pensamentos ficam
ecoando

chama o meu nome
repetidamente
repentinamente
por favor me tire daqui

alguém diz bom dia
abro um sorriso e retribuo

que horas são agora?
só se passaram três horas
ainda falta muito
e eu não tenho tempo
para esperar
por mim

vou te levar até a porta
pra você voltar mais vezes

quando você descer
me faz um favor por favor
pega o lixo que deixaram lá na porta
e traz aqui pra dentro
onde é o lugar dele

quarta-feira, 14 de junho de 2017

À queima-roupa.

de todas as partes do corpo
escolhi morar dentro lá no fundo 
da minha cabeça 
as janelas muito bem trancadas 
sempre enterrado pelos pensamentos 

nunca me mudei 

no seu corpo eu tenho quase certeza 
que você mora na ponta dos dedos:
sinto que apesar das barreiras todas
a pele o crânio os muros as trancas
você sempre consegue entrar 
quando me faz um cafuné

domingo, 11 de junho de 2017

Sorte.

no fundo do poço
eu e todas as moedas
que arremessei
o lugar não parece propício
para ficar, de repente,
tão rico

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Desvantagem.

quando deus
resolveu pôr letra maiúscula
na sua inicial
esqueceu-se que deus é a sua profissão
e não o seu nome

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Zero trinta e um.

pra você
os meus braços sempre
estão abertos
assim como as feridas
já não tenho cascas
as paredes demolidas
a r r a n c a d a s
com toda a delicadeza
entre o polegar e o indicador
e a estranheza
de não sentir mais dor
ao te ver chegar

terça-feira, 30 de maio de 2017

Depois de mim.

te vejo roer as unhas
duvidar
dizer alto não sou poeta
não sou nada além
não sou artista também
não sou nada além
de mim

te vejo assim
pelos cantos
desviando os olhares
desviando dos olhares
te vejo aos prantos
tentar e não conseguir
de novo

só te vejo sorrir quando só
no fim do dia
te vejo falar consigo
te vejo falar não consigo
e apesar de querer
não te sigo

quando a insegurança chega
você some de vista
escreve na cara
não sou artista
não sou poeta
nunca faço a coisa certa

amanhece
te sigo
mas nunca consigo
de dia
dizer que nos seus olhos
eu só vejo
poesia
poesia
poesia
poesia
ao invés disso
esquece

domingo, 28 de maio de 2017

Rasga-mortalha.

a ave pousa
no teto
crava as unhas

me pegou de ouvidos abertos

morra morra morra morra morra morra morra morra morra morra morra morra morra morra

há muito menos de nós quando nascemos
do que quando morremos
aplaudimos o feto
pelo direito garantido
de lutar pra não morrer
mesmo sabendo que um dia em breve
morrerá

terça-feira, 9 de maio de 2017

Drone.

não sei se você também percebe
mas sempre tem mais
de duas pessoas na sala
quando a gente eu e você
conversamos sozinhos

também não sei se é de propósito
mas do jeito que você me olha eu sinto que
eu sinto que o seu olhar poderia
me atravessar e cruzar a cidade
cortar o mar o oceano
os continentes do outro lado do mundo
contornar toda a superfície terrestre
pra dar a volta e me encontrar ainda ali
sentado no sofá
olhando de volta
apavorado de já estar
completamente preenchido
por você

domingo, 30 de abril de 2017

Café.

se eu morrer ainda calado,
mostre esta carta à minha mãe
diga que a amo mais do que parece
e que eu faria de tudo
pra que ela nunca ficasse sozinha
de novo

se eu morrer e não pedir perdão,
peça a minha mãe que não guarde mágoa
das vezes em que não estive lá
mesmo quando ela sempre estava

diga a ela que não pude ser o que ela esperava
porque eu sou eu
mas que se eu pudesse seria tudo
devolveria tudo
que ela perdeu por minha causa

console-a
diga que foi melhor eu ter morrido primeiro
já que o meu maior medo
sempre foi perdê-la
de vez

quinta-feira, 20 de abril de 2017

os dias dessa cidade
passam
como passam
as suas mãos
nos meus cabelos:
não passam

terça-feira, 11 de abril de 2017

A morte chega à internet.


quando a gente morre
o perfil da gente
não morre junto

assim
as pessoas todas podem se ver umas nas outras
depois que pelo menos uma delas
morreu

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Mexendo a terra.

você vai morrer aqui hoje
e como todos os dias
ninguém vai nem perceber
você vai andar morta pelas ruas
as chagas expostas manchando a roupa
o seu cheiro apodrecendo o ar
gosto de sangue o tempo inteiro
pode ter certeza que
ninguém vai nem te perceber
no meio de um monte de gente
que não morreu ainda
quem é você?
vai andar quilômetros
sobre os cotocos das pernas
vai perder a conta
vai andar quilômetros
procurando qualquer coisa
que pareça um lar
e lá
vai forrar a cama e deitar
pra morrer de novo

acorde, Maria
o mundo está vazio
só sobrou você nele
levante
apronte o seu café

essa gente quando não morre por si
arruma quem lhe arranque a cabeça
é só uma questão de tempo

segunda-feira, 3 de abril de 2017

que cabelo bonito
vamo ver se é cheiroso
até que é um pouquinho
como é que faz pra lavar?
nossa
deve ser horrível de
pentear
se cortasse ia valorizar
tanto
esse bocão que você tem
nossa
deve fazer loucuras, né?
queria ter uma boca assim
bonita
delineada
vem, amiga
vem ver o tamanho desse short
fechação
ousadia
lacração
né não?
se bem que moreninho assim
eu prefiro quando tem um bundão
sabe?
posso nem imaginar
mas se você entrasse na academia
logo, logo ia inchar atrás
os braços
tudo
gente assim pega massa rapidão
deve ser o metabolismo
li algo assim na internet
você parece sabe com quem?
com aquele Liniker
assim de batom
de trança
essa pele
igualzinho
todo mundo deve te achar lindo
né não?
queria ser assim bonito
que nem você

quarta-feira, 29 de março de 2017

Pega-tudo.

para pegar o rato
espalhe pela casa várias daquelas
cartelas cheias de cola
escolha os cantos os
lugares onde com certeza
vai juntar muita sujeira
e quando escutar o barulho
agudo
do chiado do bicho
pronto
em posse de uma bolsa plástica
segure a cartela com o rato grudado
e enfie toda dentro de uma outra
bolsa de plástico
dessas de lixo mesmo
é normal que a sacola acabe
grudando um pouco
por causa de
como ele se debate
aí você pode enfiar tudo
dentro de um outro saco
desses de lixo mesmo
só não esqueça de amarrar
bem forte as alças da sacola
pra não passar ar
e de escolher um saco
que não seja transparente
assim ninguém vê
o que tem lá dentro

terça-feira, 28 de março de 2017

A pisadeira.

Sempre que estava ansiosa, se masturbava. Aprendeu que era assim: só tinha forças pra levantar da cama e começar o dia se gozasse, ali, sozinha. Fantasiava todas as migalhas de afeto ou de sacanagem que já haviam lhe jogado  e comia do chão. Suava toda a cama e depois sentia vergonha.
Às vezes não achava as lembranças. Não gozava. Não levantava da cama. Cochilava, acordava, botava a mão na calcinha. Não gozava, mas sentia vergonha.
Parece que tem dias que são feitos pra passar na cama.

segunda-feira, 20 de março de 2017

Trecho.

queria chamar de gastrite
mas o que você faz com o meu estômago
não deve ter sido ainda
catalogado pela medicina

as borboletas dentro de mim
mais parecem cavalos correndo
soltos no campo aberto 
dos meus órgãos internos

quarta-feira, 15 de março de 2017

Visão periférica.

se fôssemos cachorros,
perceberíamos:
o caco sempre está cheio
quando o humano decide
dar-lhe veneno.

terça-feira, 14 de março de 2017

Tornozelo.

não sei se o amor é uma pedra
no meio do meu caminho
ou se a pedra sou eu
insistentemente fincado
imóvel, feito estátua
como quem, incerto,
anseia tanto pela solidão
que com as própria mãos
pega a corda, ata o nó
e se ancora
finalmente só
no meio do deserto

quinta-feira, 9 de março de 2017

Os vestidos dos poemas sempre são azuis.


as cortinas do apartamento
têm o mesmo balanço
daquele seu vestido azul
acho que é o mesmo tecido
as cortinas
e o vestido
um dos seus preferidos

agora balançam sozinhos os panos
sem a presença de suas pernas
atravessadas bem no meio
do buraco das roupas

posso amarrar a cortina
em volta da minha cintura
mas em nada as minhas pernas
parecem
com as suas

segunda-feira, 6 de março de 2017

Te escrevo dos trilhos de um trem.

te escrevo dos trilhos de um trem
da beira de um penhasco
como quem entorna inteiro 
um frasco de veneno
no intuito de molhar os lábios
te escrevo as tesouras sem ponta
e os bisturis mal amolados
te escrevo da tela
novinha em folha que comprei
pra revestir a janela
do décimo sétimo andar
das faixas de pedestre apagadas
mas percebidas de última hora
como o remédio errado 
colocado pra fora
te escrevo bem de perto da saída de emergência
dos chumbinhos vencidos
das ambulâncias pontuais
e dos cortes profundos
com folhas de papel ofício
te escrevo dos buracos rasos
dos incêndios em galpões vazios
das quedas livres sobre camas elásticas
e da respiração boca-a-boca que você me faz
quando eu finjo que me afogo

domingo, 5 de março de 2017

Escrita automática IV

equilibro-me sobre a sola dos meus pés
entrego-me muito pouco
estou sempre à beira
ouço as paixões ondularem, sereias,
mas se aceno
escondo os olhos

encalhei no meio do oceano
não sou terra firme pra ninguém
afogo só as pontas dos dedos
pra levá-los à boca
e sentir o gosto salgado
como aqueles que ousam mergulhar
e se perder de vista
no fundo do amar

Recital de poesia.

todos entram
sentam
pomposos em seus trajes de gala
eis que desliza a cortina
revelando uma pequena menina
e sua única fala:
- Quero muito um hamburgão!
a cortina é novamente fechada
e depois de ovacionar a menina
a multidão parte em disparada
para o Marcinho Lanches, logo na esquina

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Meia embreagem.

no futuro
quando os seres humanos finalmente 
tiverem rodas no lugar dos pés
estará extinta a ocorrência da pegada
e das lojas de sapato
que darão seus lugares a grandes letreiros
da American Racing

também darão fim à podolatria
que é como chamam o fetiche pelos pés
mas apesar do gosto metálico
a rodolatria promete ser a nova tendência
dos sites de pornografia

o número de mortes no trânsito,
no entanto,
continuará inalterado
uma vez que a nova forma de locomoção
facilitará bastante
o contrabando de armas


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Emoldure ou leve no bolso.

acorde
levante
vista a sua roupa mais
desconfortável
assim ficará óbvio pra todos
o quanto você tem se esforçado
pra manter as aparências
não esqueça de fechar todos os zíperes
de deixar os dentes bem escovados
ajeite a gola da sua camisa
e também a de qualquer um que a tenha esquecido
fora
do
lugar
enxágue bem o mau hálito
deixe a cavidade bucal preparada
pra todas as coisas que vão te forçar a engolir
no dia de hoje
não se mostre vulnerável
sorria sem olhar nos olhos
ou se olhar
desvie
antes que seja tarde
ao chegar em casa
durma
e se, devido à angústia,
não conseguir
preste atenção no passo-a-passo a seguir:
se for casado ou casada finja orgasmos faça promessas vazias diga que bonitos são seus olhos mas não olhe dentro deles ou fale de dinheiro se quiser evitar problemas
se for solteira solteiro ensaie demonstrações de carinho pra se distrair depois jogue-as todas fora dentro de si
a opção mais viável serve a qualquer estado civil
as farmácias permanecem abertas de madrugada
mas chorar soluçando até cansar os olhos
ainda é o mais eficaz dos soníferos

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

De molho.

hoje lembrei
que faz tempo que não trepo
as roupas no varal

imagine só: 
visto as vestes somente
para que as tirem
de modo que
há uma gritante inutilidade
no ato de lavá-las com frequência

Essa poesia vai acabar antes que você perceba.

a enxaqueca autocausada
é a mais perigosa das armas
que uma pessoa angustiada
pode usar contra si mesma

a mão estica
e num gesto singelo
agarra o martelo

não esqueça
que antes que a fenda apareça
o martelo martela a cabeça
e no intuito urgente
de estilhaçar a mente da gente
abre-a