segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Lepra.

Hoje eu queria abocanhar toda a alegria
rasgar aos pedaços as tripas de toda elegia
Vomitar um rio de lágrimas, esfolar uns solitários
preparar um banquete de impulsos involuntários

Hoje eu queria morrer convencido
de qualquer coisa, qualquer mito
Pois se é a tristeza um estado de espírito
Quero mentir qualquer fim desmerecido

Hoje eu sangro mostrando os dentes
Cumprimento à face da adaga
Na multidão de olhos tristes permanentes
Quero ser incessante praga

Hoje eu não chorarei de verdade
Aqui jaz minha sentença!...
...Não seria a felicidade
A mais linda das doenças?

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Dislexia.


Me pergunto, me pergunto
Quem será que me perdeu?
É, talvez tenha sido eu
Mas nem toco no assunto

Lá no fundo, bem no fundo
Sei que ando bem cansado
Deste mundo
Moribundo
Mas eu vou ficar calado

Às vezes até me pego
(só pra alimentar o ego)
Perguntando
"Onde deixei o meu amor?"
Mas sem saber onde me pôr
Já acabo desertando

Do meu coração nem vou falar
Não sou aquele que se arrisca!
Então fiz dele uma isca
Pra algum pedestre pescar

Vai saber...

domingo, 14 de outubro de 2012

Ode ao cigarro.

Eu tenho uma teoria para o alto preço do cigarro. Mas só é justificável se você for um miserável. Não os miseráveis financeiros, se é que você me entende, mas os miseráveis de alma. Até porque não há jeito de comprar cigarros não tendo dinheiro nenhum hoje em dia. Falo dos miseráveis de verdade, daqueles que são miseráveis mesmo com dinheiro no bolso.

A propósito, existem também os miseráveis sem dinheiro no bolso. Para estes, aconselho a mendigagem ou o suicídio, mas não o cigarro. 

Quero dizer que cigarros não são só cigarros. São, na verdade, instrumentos de extinção de sentimentos. E isso quer dizer que quanto mais você fuma, menos sentimentos você tem. Quanto mais se fuma, menores as chances de sofrer. E também de ser feliz, mas isso não vem ao caso.


Na primeira tragada, está morta aquela garota que você se apaixonou na escola. Ela está no chão, sem cabeça e esquartejada. Na segunda, você mata a sua mãe e, com ela, metade das suas obrigações. Na terceira vez, o seu sorriso se foi. Até porque ninguém fuma sorrindo. No fim do cigarro, já pertinho do filtro, está você. E aí você tem que se matar também.

Não faça essa cara. Ninguém fuma pra viver. O que te faz sentir vivo é exatamente a sensação de estar matando algo dentro de você. Cada cigarro terminado é como um “Oh, ainda tinha alguma coisa lá dentro”. E quando você passa a não sentir mais nada, a não se importar mais com o gosto, o enjoo ou o estado dos seus pulmões, parabéns: Você já está morto. Só não sabe disso ainda.


Eu tenho uma teoria para o alto preço do cigarro. Mas só para os miseráveis vale a pena pagar caro pra ir se matando aos poucos. Cada profunda tragada é uma busca incessante de se matar asfixiado. De acabar com tudo de uma vez, mas vagarosamente. E só o cigarro proporciona a sensação de ir deixando tudo pra trás, ir se despindo da humanidade, até não ter mais nada a perder. Não é fantástico?


Não há melhor jeito de morrer.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Arritmia.






De coração cheio
e cabeça vazia 
Me derramo em teu seio 
Já tocado de medo 
Você já sabia 
Que seria assim 
Que cada pouco de você 
Era um pote inteiro de mim.




quinta-feira, 30 de agosto de 2012

E aí, pessoal, como estão? Se ainda existe alguém, espero que esteja bem.

Eu sei que faz um bom tempo que eu não mostro as caras por aqui, mas é que a minha inspiração resolveu tirar férias. Porém. breve eu volto a postar, então espero que os dois ou três leitores que sobraram permaneçam aí.

Então, hoje eu estou passando aqui porque o último texto postado aqui virou uma HQ! O meu amigo Fernando Caldas fez esse favor pra gente e ficou muito legal. Vocês podem conferir lá no blog dele, o Resolvi Blogar.

Da próxima eu passo aqui trazendo algum material inédito, beleza?

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Aflição.


 - Pronto.
 - A cabeça é pro outro lado, dona.
 - Ah, desculpa. Agora sim.
 - O que te aflige, enfim?
 - É isso? Eu deito aqui nesse negócio e você só me pergunta o que me aflige? Vamos, seja criativa.
 - Divã.
 - Hã?
 - O nome desse negócio que a senhora está deitada. Divã.
 - Ah, claro, tanto faz.
 - Preciso saber o que te aflige primeiramente.
 - Ah, muita coisa me aflige. Ficar meia hora numa sala de espera me aflige, se quer saber. E eu gostaria de ser tratada melhor da próxima vez, se me permite dizer. Andar de elevador também me dá nos nervos. E perguntas. Perguntas definitivamente me irritam. Cachorros, crianças, sol forte, vendedores insistentes, trânsito, relacionamentos. Odeio quando falam alto. E também odeio quando eu me descontrolo e falo alto, perco a cabeça. Daí falo ainda mais alto. E quando me respondem em voz baixa, então, eu morro por dentro. Sabe que agora me pararam no meio da rua para perguntar as horas? Eu estava tão apressada, aquilo me irritou tanto...
 - Eu acho...
 - Não comece com "eu acho", soa como uma opinião intrometida. E eu odeio opiniões intrometidas.
 - Tudo bem, senhora. Talvez você se importe demais com as coisas ao seu redor.
 - Não acho.
 - Compreendo. Por que a senhora não tenta se acalmar, respirar fundo, pensar duas vezes?
 - Mas pensar uma vez só não basta?
 - Às vezes não, sabe? Às vezes é preciso...
 - Mas que negócio mais desconfortável esse... Como se chama mesmo?
 - Divã.
 - Isso, divã. Não respire fundo desse jeito quando eu fizer uma pergunta.
 - Certamente, senhora. Talvez...
 - E não me chame de senhora tão repetidamente. É irritante.
 - Paciência.
 - Como?
 - Paciência. É o que a senhora precisa. Desculpa. Você. Você precisa.
 - Me acho extremamente paciente.
 - Receio que não seja bem assim.
 - Ainda parece uma opinião intrometida.
 - Que tal tentarmos chegar a algum lugar, hã?
 - Hunf. Eu só queria ser feliz, sabe?
 - Parece que estamos chegando lá. Que tal recomeçarmos?
 - Ser feliz me irrita.

sábado, 2 de junho de 2012

Guerras dialogadas.

Toc, toc, toc.

Lourenço. 26 anos, alma de 60. Bíblia embaixo do braço. Terno de 300 reais. Apaixonado por Jesus Cristo. Existência dispensável.

 - Tem algum tempo para a palavra do Senhor, meu jovem?

Tales. 19 anos, pulmões de 60. Garrafa de vodka sob o braço. Camisa do Pink Floyd de 10 reais. Apaixonado por nicotina e quem quer que estivesse em sua cama. Existência dispensável.

- Não. - respondeu, levando algo à boca.

Cigarro. Comprado havia 2 horas. Marlboro. 50 centavos. Existência indispensável para Tales.

- Vamos, filho, deixe Cristo salvar a sua alma.

Jesus Cristo. Filho de Deus. Idade desconhecida. Existência incomprovada, porém indispensável para Lourenço.

- Que porra de alma, cara?!

- A sua, irmão. Em Isaías, Jesus diz que...

- Cai fora.

- Aceita Cristo, irmão.

- Não sou o seu irmão. E cai fora.

- O Senhor tem um plano pra ti.

Risada. Causada por deboche.

- Você não quer ser salvo?

- Se ser salvo significa ser alguém como você, então não.

- Na Bíblia...

- Cara, você deve ser um infeliz. De porta em porta, tentando salvar os outros de suas próprias vidas, prometendo a felicidade. Então você é feliz assim, hã? Você é só um desgraçado com uma vida fodida tentando arrastar todo mundo para o meio da merda. E você ainda se considera salvo?!

- Há muito mais no Céu que...

- Tem baseado no Céu?

- Não.

- Então que se foda.

Porta. Aberta por curiosidade. Fechada por fúria.

Lourenço tinha 26 anos e alma de 60. Levava uma bíblia embaixo do braço, entoava um cântico, estava cabisbaixo. Virou a esquina, comprou um maço de cigarros. A partir daquele momento, não estava mais salvo. Apaixonado por Jesus Cristo.

Existência dispensável.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Complexo.



Já perdi a vontade
Mas ó
Não dá nó
Na minha vaidade
Senão eu perco a rima
Tem dó
Clemência!
Pois o mero fato de tua existência
É uma afronta à minha autoestima.



quinta-feira, 22 de março de 2012

E eu nem sabia que era circense.




Acho que vivo num circo:
Fico em pé na fina corda
Mas morro de medo de cair
Porque aí seria palhaço
E não consigo te fazer rir
Minha mágica não te aborda
E barba não tenho, não
Malabarismo não faço
Não com o teu coração
E se não governo este picadeiro
Se não te domo e me abandona
O espetáculo é derradeiro
E coberto por uma lona.



sábado, 4 de fevereiro de 2012

Breve retardo.




Não sei mais escrever, não!
Paro sobre a caneta
e eta! Para onde foi a inspiração?
Penso se saiu porta afora
Louca, desvairada, sem espora
Ou talvez tenha se libertado
Da mente sem rimas de um retardado.




sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Parapeitos.

Parou ali, junto à sombra da cidade. Implorara aos céus por tanto tempo que fosse salvo daquela torrente de cabeças iguais toda composta de rostos iguais e que seguia incansavelmente no mesmo sentido para, no fim, alcançar o mesmo nada. Estava ali para salvar-se.

Parou ali, à sombra da cidade. E a sua própria sombra misturava-se aos traseuntes que, numa corrida contra o tempo, mantinham-se de cabeça erguida e olhos sempre à frente.

Parou ali, projetando a sua sombra sobre a cidade. Sobre uma faixa de pedestres que, ao contrário do senso comum, por si só, nunca salvou vida alguma. Ao contrário dos parapeitos, ah!, estes sim salvam vidas!

Parou ali, delineando a sua silhueta no horizonte da cidade. Os rápidos passos arrastavam-se numa cachoeira que desembocava horizontalmente para leste, para norte, para todos os lados. E, como uma cachoeira, não havia razão para desembocar; mas desembocava com todas as forças que possuía, apesar do caminho estreito.

Parou ali, acima das cabeças da cidade. Porque eram como gado, como cães adestrados, correndo atrás do senso comum: Pastando, correndo e fingindo de mortos; Matando, morrendo e fingindo de mortos.

Parou ali, à sombra da cidade. Sobre o parapeito. Sob o céu cinza. Então, sob o parapeito. Sobre a calçada. Escorrendo no asfalto, pelas vísceras da cidade.

E, de repente, era ele a maior prova de que parapeitos salvam vidas.