segunda-feira, 2 de julho de 2012

Aflição.


 - Pronto.
 - A cabeça é pro outro lado, dona.
 - Ah, desculpa. Agora sim.
 - O que te aflige, enfim?
 - É isso? Eu deito aqui nesse negócio e você só me pergunta o que me aflige? Vamos, seja criativa.
 - Divã.
 - Hã?
 - O nome desse negócio que a senhora está deitada. Divã.
 - Ah, claro, tanto faz.
 - Preciso saber o que te aflige primeiramente.
 - Ah, muita coisa me aflige. Ficar meia hora numa sala de espera me aflige, se quer saber. E eu gostaria de ser tratada melhor da próxima vez, se me permite dizer. Andar de elevador também me dá nos nervos. E perguntas. Perguntas definitivamente me irritam. Cachorros, crianças, sol forte, vendedores insistentes, trânsito, relacionamentos. Odeio quando falam alto. E também odeio quando eu me descontrolo e falo alto, perco a cabeça. Daí falo ainda mais alto. E quando me respondem em voz baixa, então, eu morro por dentro. Sabe que agora me pararam no meio da rua para perguntar as horas? Eu estava tão apressada, aquilo me irritou tanto...
 - Eu acho...
 - Não comece com "eu acho", soa como uma opinião intrometida. E eu odeio opiniões intrometidas.
 - Tudo bem, senhora. Talvez você se importe demais com as coisas ao seu redor.
 - Não acho.
 - Compreendo. Por que a senhora não tenta se acalmar, respirar fundo, pensar duas vezes?
 - Mas pensar uma vez só não basta?
 - Às vezes não, sabe? Às vezes é preciso...
 - Mas que negócio mais desconfortável esse... Como se chama mesmo?
 - Divã.
 - Isso, divã. Não respire fundo desse jeito quando eu fizer uma pergunta.
 - Certamente, senhora. Talvez...
 - E não me chame de senhora tão repetidamente. É irritante.
 - Paciência.
 - Como?
 - Paciência. É o que a senhora precisa. Desculpa. Você. Você precisa.
 - Me acho extremamente paciente.
 - Receio que não seja bem assim.
 - Ainda parece uma opinião intrometida.
 - Que tal tentarmos chegar a algum lugar, hã?
 - Hunf. Eu só queria ser feliz, sabe?
 - Parece que estamos chegando lá. Que tal recomeçarmos?
 - Ser feliz me irrita.