sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Saudade de casa #7

 lembro que uma vez, minha mãe,

 disse que não queria ter paz 

 que o movimento era o meu lugar,

 o Caos.

 agora que eu conheci a paz 

 me sinto estranha:

 nunca me acostumei a ter abrigo 

 e agora que tenho e que amo 

 parece que deixei um pouco de ser eu.

 da janela os desencontros me incomodam menos;

 deixar para a próxima não assusta mais;

 plantar distâncias dá bons frutos;

 envelhecer virou um desejo.

 tu me virou do avesso, mãe?

 ironia ter te pedido o Caos e agora 

 me sentir estranha quando eu tive justamente 

 o que eu pedi.

terça-feira, 29 de novembro de 2022

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Afiadas ternuras.

 sempre que estou prestes a perder

 rebobino até o primeiro momento

 o som agudo das fitas arranhando os tímpanos

 

 o momento em que me tornei tão analítica

 estrategista

 não faz parte da minha história: 

 com licença,

 estou me protegendo de ameaças invisíveis.

 tem alguma coisa muito preciosa, frágil,

 quebradiça, irrecuperável aqui dentro

 eu só não sei o que é ainda.


 vejo tudo em porcelana

 todos os cheiros são pólvora

 sob todas as superfícies há sangue

 e sobre todas as superfícies 

 há sangue; as maiores guerras não-registradas da História

 acontecem dentro de mim.


segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Subcutânea, subterrânea.

pressa boa 

essa de querer ter te encontrado ontem 

de já ter fugido com você 

e eu só te conheci hoje 

tempos de pessoas apaixonadas são indomáveis 

decepcionantes, empolgantes

extremamente frustrantes 

causam frios na barriga 

anunciam tragédias a nível planetário 

e meu planeta agora em direção ao seu 

não por guerra, mas por atração 

descontrole orbital 

desconforto estomacal 

de borboletas alienígenas penduradas 

nos omentos das minhas entranhas; 

venenosas, injetam logo no meu sangue 

essa vontade de também sair 

dos casulos; gosto de ser arrancada 

de dentro das minhas carapaças, 

ecdise sem aviso 

indefesa só consigo me perguntar 

se você geme enquanto beija 

e qual é o gosto que eu vou deixar na sua boca. 


sabor de voo, tô de asas novas 

as fotos não fazem jus ao seu cheiro 

que eu já sei que é de alfazema 

o mais gostoso e traiçoeiro dos perfumes; 

vou chegar pousando em suas blusas de flores 

lamber o pólen dos seus lábios:

a doce ou amarga expectativa 

de contar mil beijos na sua nuca 

e me encontrar, em seguida, dormindo afundada nela 

estava entediada até chegar a primavera.



segunda-feira, 30 de maio de 2022

Matrimônio à beira do mar.

 quero ser esquecida por você 

 sem amenizar 

 sem esconder de si lembranças no quarto

 para encontrar depois, por acaso 

 essa é uma carta de amor impossível de ler 

 o presente da possibilidade 

 de viver sem precedentes:

 quero ser esquecida. não-delineada.

 transpor as linhas do seu pensamento

 rumo à liberdade de não ser conhecida

 de proteger o imprevisto 

 de decidir pelo que vai me matar,

 eventualmente, matar o seu desejo 

 de lembrar de mim, dar-me forma, 

 performar-me 

 como se eu não fosse inalcançável.

 não quero ir esmaecendo de sua cabeça 

 quero ser esquecida agora, com urgência, 

 sem despedidas e sem saudades,

 imediatamente liberta da expectativa de ser.

 deixar sumir é um gesto lisonjeiro 

 um carinho que se faz na distância 

 sem dedos, sem pele, sem esforço, 

 telepaticamente resguardada 

 e instantaneamente eterna.

 

 

 

 


 







domingo, 6 de fevereiro de 2022

 navegar é a melhor parte 

 da tempestade 

 onde ir é uma questão 

 irresolvivel 



domingo, 23 de janeiro de 2022

domingo, 16 de janeiro de 2022

Voltejando parado.

 estou apórica 

 poucos olhos para perceber que estou à beira 

 abismos cheios d'água 

 fomes vagam, confundem-se 

 com desejos injetados em mim 

 abocanho meu próprio caminho 

 não me alimento de qualquer coisa 

 se nos portões encontro grades 

 descubro que já tinha as chaves faz tempo 

 

 amiga é aquela que avisa quando 

 você já passou muito tempo dando cabeçadas 

 e também a que não permite que a outra 

 inicie também a cabecear 

 para não deixá-la só.






terça-feira, 11 de janeiro de 2022

 paciência às vezes 

 é um excesso de cuidado

 um não-me-toque

 algo a se segurar ali no inaudito

 as dúvidas são vermelhas

 daquele frio tão frio

 que queima 

 e ali mesmo enquanto queima,

 como um adesivo,

 já adere à pele.

 imagine deitar dentro de uma cápsula deste gelo

 você curvada,

 os joelhos como apoio para o queixo

 e as canelas como os escudos pontudos do peito

 e - ainda assim - completamente desprotegida.

 imagine a sensação deste abraço.

 

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Solidões acompanhadas.

 vou driblando barrancos

 dando voltas em imensidões

 contornando buracos pé ante pé 

 contando distâncias no infinito

 tudo em vão 

 e à beira do vão 

 nada tem um tamanho tão grande.

 repita:

 nada tem um tamanho tão grande 

 vazios são infinitos porque

 habitam o ar

 deslizam por baixo das coisas

 o lugar mais cheio que houver

 estará repleto também

 do nada.

 
pra abocanhar o mundo é preciso saber

atrasar o onde 

esquecer como

desfazer o que ainda não foi feito.