quinta-feira, 18 de março de 2021

Martelos são ecos na mente de quem perdoa.

estou cuspindo fogo.
nem lembro quando comecei
mas ele vem escalando minha garganta
desde que eu comecei a respirar
eu acho 

tem uma forja em algum lugar dentro
algo está sendo feito. 
moldado em material intransponível
até lá um mar de lava no meu estômago 

vou derretendo pra dentro
a pele escorrendo banha as entranhas
recobre-as
as células se multiplicam
não consigo vê-las, mas sei que são disformes 
algo está sendo gerado.
até lá coceiras e manchas pelo corpo

quente demais para sobreviver ao frio
ainda excessiva em lugares mornos
possível somente em altíssimas temperaturas
onde nada consegue resistir ao calor
desejar o sólido 
e ao tocá-lo
torná-lo líquido
e ao tentar contê-lo num abraço 
fazer evaporar

asas de brasa
tornam cinzas os mecanismos
que as fariam funcionais
ainda muito engenhosas 
para usar sem se queimar
algo está ganhando o céu feito cometa
até lá segue confundido 
com um desastre.







quarta-feira, 10 de março de 2021

 alguém passou aqui e nada disse.

 entendi tudo: não há nada a entender

 não há sentimentos a confessar ou

 maneiras confortáveis de navegar aqui

 admita o mar e ele te afogará

 ignore-o e ainda assim

 serás engolida.

 as certezas ativaram um modo inconsciente

 de esquecer o que importa: 

 nada importa o bastante

 para se ter certeza

 viver demais causa amnésias irreversíveis

 como esquecer que se morreu ontem

 e  que não existe uma primeira vez para isso.







sábado, 6 de março de 2021

Pilão.

no auge da permanência

você percebe que se viu partir

inúmeras vezes?

ou que enquanto afundava

as sílabas redigidas na superfície

da areia movediça

recombinavam-se em outras formas

é tudo rápido demais para se perceber

é aqui que acontece a premonição:

o chão nunca foi firme o bastante

para sustentar a mentira

você sempre esteve afundando.

como punhais perfurando coisas

seus pés foram sendo cravados neste chão

está mais difícil de caminhar agora,

de abrir caminho,

voltar atrás com os calcanhares.

teu rastro agora toma formas suspeitas

vai desabando à medida em que você anda

não é como ler as formas das nuvens se desfazendo

quando você encontrar um padrão na terra

e, no intuito de ajudar a mente a encontrar a substância correspondente,

percorrer a sua extensão com os olhos

o chão já terá absorvido tudo.

você vê a forma dos seus próprios olhos

encarando de volta

perguntando-se esta mesma pergunta 

que está sendo feita agora.

há algum caminho para seguir

além de ser engolida?