segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

 escrevo aqui porque não consigo escrever acordada,

 então recorro ao berço, aos choros rápidos, aos silêncios impróprios

 se eu deveria falar cada vez que o tempo fecha

 não há profecias meteorológicas que deem conta

 do desarranjo nas minhas cordas vocais

 e do nó cego nas minhas certezas.  

 sei que sou vasta 

 mas queria mesmo era ser minúscula

 microscópica

 acessível somente com equipamentos tecnológicos demais

 assim você não entraria tão fácil aqui 

 neste mundo de coisas tão pequenas e tão permanentes.

 o que fica é justamente aquilo que não dá pra ver.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

 passo os dedos nas extremidades do travesseiro 

 pareço sentir as cócegas que sentiria

 meu maior erro foi aprender a dormir acompanhada 

 e gostar do primeiro abraço do dia, meu favorito 

 quando ainda deitada eu lembro 

 da sensação do calor encostando na pele

 e ficando ali, sem sustos, misturando cheiros 

 entristece pensar que eu ficaria horas dentro desse abraço 

 só pra esquecer de mim 

 antes quando o calor me assustava e eu fazia de tudo pra dormir sozinha 

 eu acho que gostava mais de prestar atenção 





segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Tentando falar menos de mim.

 o sapateado dos dedos pelas teclas 

 significa que estou mais uma vez 

 tecendo tecidos e tecidos de teorias 

 quilômetros de pano 

 em torno de besteiras.







domingo, 10 de outubro de 2021

 a sensação completamente nova inexplorada 

 de contemplar as superfícies que refletem 

 e procurá-las em seguida.





sexta-feira, 8 de outubro de 2021


tudo parece estar oco por dentro 

e tão profundo e tão delicado

não é preciso tesouro para ser precioso 

eu tenho insistido em proteger o meu vazio 

o vácuo que eu guardo despreenchido 

o nada que é parte de mim 

com os nós dos dedos eu confirmo

faz eco aqui 

respirar onde não tem ar é a maior técnica que aprendi 

e fingir não respirar é a segunda maior 














segunda-feira, 13 de setembro de 2021

sempre arestas pontudas 

para fortalecer a defesa

para facilitar o encaixe 

seja por mero espaço adjacente 

seja por rasgar as atmosferas 

as peças do quebra-cabeça 

estão todas juntas desde que a criança 

levanta a tampa da caixa de papelão.

e pra voltar a ser criança precisei 

criar espinhos 

ouça 

a fonte de carinho que eu sou não seca

mas exige algo em troca. são quatro pactos.

roubar aqui significa prender o ar 

com a parte de dentro das bochechas 

e tentar segurá-lo ali 

entre o céu, o palato 

e uma língua pronta para permanecer imóvel.







sexta-feira, 11 de junho de 2021

 ouvi passos indo embora e não fechei a porta 

 nada fiz 

 nada disse 

 estive muito pouco atenta aos caminhos que não estive 

 e todos eles me levam a crer 

 que estar é uma condição impossível: 

 ir também.

 em estado de esvair-me, sigo 

 a um relance de perder as estribeiras 

 que sempre foram gasosas 

 celas sublimam facilmente 

 e se rematerializam em outras prisões 

 construídas muito dentro da coisa 

 profundas demais para ecoar 

 sou prisão e sou fumaça 

 sou pedra e sou as migalhas 

 sólida e não mais ali 

 abro a boca e fecho túneis 

 fecho os olhos e sinto lava.












quarta-feira, 26 de maio de 2021

ontem esbarrei num sentimento 

que fez barulho de coisa oca 

revestimento demais 

uma cápsula despreenchida 

a rigidez das paredes ecoando por dentro.

tudo o que quebra armazena no vazio.

















quarta-feira, 12 de maio de 2021

quando a coisa cicatriza
queloidifica
rastro do que foi embora
ainda dolorido
faz aprender a não tocar ali
não mexer demais
tentar medicinas de desviar a atenção
para as zonas que ainda não se tornaram
calombos
carimbos
fenômenos marcados pela escavação da pele
memórias em forma de tez
como ecos, as células se multiplicam
recobrem, esculpem outras desfigurações
tudo o que se perde, torna-se
nem tudo o que evanesce é sublimação:
sentimentos avassaladores transfiguram-se
também em nada
nem tudo o que agora está, de fato, marca presença
um segundo na vida de quem passa
são séculos de quem mora
e é exatamente nesse momento
que os olhos enganam os sentidos.

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Planner de parede.

sentir desobedece o tempo
pelo menos aqui dentro
tem uma súplica:
pare de contar as horas,
planejar os dias,
tentar prever as tempestades.

meu sentir desobedece o meu tempo
cronologicamente injetado nas minhas veias
tento organizar o que sempre esteve fora do lugar
por natureza

as vezes que tentei
- ainda não foram muitas - 
só me deixar escorregar mãos afora
deslizar pelas superfícies do meu frio na barriga
pediram-me relatórios
ou já tinham listas de regras prontas
que eu nunca havia percebido antes
(mesmo estendidas na porta de entrada)

ajo simples quando complicado
orquestro os passos quando trivial
se sou singela, o mundo é complexo
se sou minuciosa, dou fim ao que era simples

no desencontro dos meus tempos
permaneço deixando que a solidão permita invasões
sutis - porque antes fossem arrombamentos de trinco,
pés-de-cabra, dinamites - 
que seguem bagunçando as coisas que eu
jurava estar pondo no lugar

o tumulto é a minha natureza
ou a do mundo?
(de ambos)


quinta-feira, 18 de março de 2021

Martelos são ecos na mente de quem perdoa.

estou cuspindo fogo.
nem lembro quando comecei
mas ele vem escalando minha garganta
desde que eu comecei a respirar
eu acho 

tem uma forja em algum lugar dentro
algo está sendo feito. 
moldado em material intransponível
até lá um mar de lava no meu estômago 

vou derretendo pra dentro
a pele escorrendo banha as entranhas
recobre-as
as células se multiplicam
não consigo vê-las, mas sei que são disformes 
algo está sendo gerado.
até lá coceiras e manchas pelo corpo

quente demais para sobreviver ao frio
ainda excessiva em lugares mornos
possível somente em altíssimas temperaturas
onde nada consegue resistir ao calor
desejar o sólido 
e ao tocá-lo
torná-lo líquido
e ao tentar contê-lo num abraço 
fazer evaporar

asas de brasa
tornam cinzas os mecanismos
que as fariam funcionais
ainda muito engenhosas 
para usar sem se queimar
algo está ganhando o céu feito cometa
até lá segue confundido 
com um desastre.







quarta-feira, 10 de março de 2021

 alguém passou aqui e nada disse.

 entendi tudo: não há nada a entender

 não há sentimentos a confessar ou

 maneiras confortáveis de navegar aqui

 admita o mar e ele te afogará

 ignore-o e ainda assim

 serás engolida.

 as certezas ativaram um modo inconsciente

 de esquecer o que importa: 

 nada importa o bastante

 para se ter certeza

 viver demais causa amnésias irreversíveis

 como esquecer que se morreu ontem

 e  que não existe uma primeira vez para isso.







sábado, 6 de março de 2021

Pilão.

no auge da permanência

você percebe que se viu partir

inúmeras vezes?

ou que enquanto afundava

as sílabas redigidas na superfície

da areia movediça

recombinavam-se em outras formas

é tudo rápido demais para se perceber

é aqui que acontece a premonição:

o chão nunca foi firme o bastante

para sustentar a mentira

você sempre esteve afundando.

como punhais perfurando coisas

seus pés foram sendo cravados neste chão

está mais difícil de caminhar agora,

de abrir caminho,

voltar atrás com os calcanhares.

teu rastro agora toma formas suspeitas

vai desabando à medida em que você anda

não é como ler as formas das nuvens se desfazendo

quando você encontrar um padrão na terra

e, no intuito de ajudar a mente a encontrar a substância correspondente,

percorrer a sua extensão com os olhos

o chão já terá absorvido tudo.

você vê a forma dos seus próprios olhos

encarando de volta

perguntando-se esta mesma pergunta 

que está sendo feita agora.

há algum caminho para seguir

além de ser engolida?

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Precipitada.

não sei dizer como me sinto.

sei que sinto, e que quero correr o mundo inteiro hoje. agora. com as próprias pernas.

queria fluir líquida e suave 

como uma avalanche

mas sou um trator, destruição limitada à solidez.

assim: é como eu me sinto. como esse gesto que estou tentando fazer com as mãos agora. 

e tinha tanto tempo que eu não chorava pra dormir ou precisava refazer esse movimento das mãos 

a trilha sonora dos dias ruins são meus pensamentos cheios de nó de cabelo de aplique.

é preciso ter coragem para não dizer nada

e eu sou uma medrosa. sempre cedo.