domingo, 22 de dezembro de 2013

Travesseiro.

percebi, então
num momento derradeiro
que quem chora em solidão
tem o pranto do mundo inteiro.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Acusação.

Todo o peso do mundo, Maria do Carmo!
Todo o peso do mundo
Todo o peso, Maria do Carmo, nas suas costas
Todo o peso do mundo
Todo o peso do mundo nas suas costas
Todo o peso do mundo
Todo o peso do mundo bem nas suas costas,
Maria do Carma!

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Depósito.

o rancor é uma faca
de ponta afiada
que no fundo é fraca
se muito forçada.

não é uma afronta
que essa tal espada
perca logo a ponta
assim que enfiada?

e é um dilema
que esse tal rancor
não cause enfisema,
edema ou dor

você não entende
por mais que te diga?
pelas costas, depende
mas não sai na barriga.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Maldição.

 - Isso vai me magoar de alguma forma? - perguntou, frente à aliança.
 - Eu não sei. - respondeu, após uma breve pausa. - Eu quero que não.
 - Assim, sem garantia nenhuma? - sobressaltou-se - É assim que funciona?
 - Parece que sim.
 - Não parece certo. - pensou. - Parece precipitado.
 - Concordo. Parece imprudente.
 - Negligente, até.
 - Um tanto quanto inconveniente.
 - Isso mesmo! Tirou as palavras da minha boca.
 Depois de uma longa pausa: - Mas e agora?
 - E agora o quê?
 - O que eu faço com isso?
 - Ah, a aliança! Será que não conseguimos devolver ou trocar de alguma forma?
 - Não, não. Falo do que sinto por você.
 - O que você sente por mim! Claro, claro... O que você sente por mim?
 - Eu não sei. - respondeu, reduzindo o tom de voz. - Ninguém nunca sabe.
 - Não estou gostando nada disso. Isso vai te magoar de alguma forma?
 - Eu não sei! Eu. Não. Sei.
 - Ó, já começamos a brigar. Melhor jogar essa coisa pela janela.
 - A aliança?! Mas foi tão cara! Não podemos devolvê-la ou trocar de alguma forma?
 - Falo do que você sente por mim.
 - ...Isso não dá pra trocar.
 - É.
 - É, não dá.

domingo, 23 de junho de 2013

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Sonheto.

Hoje eu planto sonho
num quintal de solo morto
e cada semente que ponho
cada uma um sonho torto
deficiente,
nascido de um devaneio
pequeno, descrente
sequer sabe de onde veio...

E colherei qualquer amor
folhagem pequena que seja...

porém, para o meu pavor
mau espírito me corteja!

"Olá,  quero dizer
Apesar do pouco caso
Que não há o que fazer
já não sonhas ao acaso;

e neste solo rarefeito
num arremedo de quintal
achas que haverá jeito
de brotar um roseiral?

o fruto de tua loucura
isto sim é um mistério!...
não nascerá planta pura
sequer flor de cemitério

Mas escutas meu apelo
e há de ficar inquieto:
é de certo pesadelo
o tal sonho que era feto!

...Mas, ó, resiste à dor
respira fundo, não pereça...
Qual diabo de agricultor,
ao ver não brotar a flor,
baixa logo sua cabeça?!

Levanta! Tem coragem!
planta logo alguma vagem,
se não for, que seja rosa,
para pôr fim à maldita prosa."

E me ergui de olho cheio
e daquele solo tão feio
de fato, nada brotou
ah, espírito desgraçado!
ao se ver livre do fardo
logo, logo desertou

Eu sozinho, desgraçado
da terra fiquei cansado
Nunca mais plantei um sonho
Aquele fantasma risonho,
o meu medo encarnado,
não havia retornado
Eu, então, peguei no sono...

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Almadura.

 - Eu era blindada, senhor. Eu era blindada até conhecer você. Se não me falha a memória, por nenhuma vez presenciei maior palpitação no coração, não fosse por quaisquer rotineiras alegrias ou desesperos. E não se engane, você é desespero. Sequer sentia nada por alma nenhuma, exceto a minha própria, muito bem guardada no meu casulo de corpo. Senhor, você a invadiu. Você despiu a minha alma. Estuprou-a aos poucos, violentou-a, despedaçou-a. Eu não aguento os sentimentos!... Estes estilhaços de alma que furam as entranhas como os mais amolados punhais, errantes adagas, cravando-se fundo e enterrando-se cada vez mais e mais. Eu sangro! Eu sangro de dentro para fora, pelos poros, pelos olhos. Meus cortes não são visíveis a olho nu... Não! Mas se chega perto e me olha atento, percebe as feridas, enormes feridas, atravessando a pele dos pulsos? Não há como ser despropositada, senhor, a sua brutalidade! Não há como não haver maldade hospedada em seu âmago. É mau! Nego ser normal o olhar que me inflama de dentro pra fora em um segundo, ou congela a boca do estômago quando passa sem cruzar o meu. Maldito tiro de seu lábio algoz que atravessara o fino véu de minha morada e semeara em flor esta coisa que crepita, crepita, crepita... Consegue escutar estalando? Se é isso que chamam de paixão, ora! Dê-me uma azia e esconda os remédios... Ponha em chamas meus intestinos... Isto é dor e nada mais! E se pensa em ficar, senhor, se engana. Se fica, eu vou. Se fica, prometo minar-lhe com unhas as pupilas, prometo arrancar-lhe com dentes a mandíbula... Para que, por um minuto que seja, sinta o ardor que me faz sentir. Não te ponho em adoração, não, te entrego ao Diabo! Achei que fosse bom gostar do pecado... E se pensa em ficar, senhor, equivoca-se. Se pensa em ficar, replico ofegante que vá! Digo-lhe, ainda, que não ouse querer partir. Que doa a ambos a sua ida, que mate os dois a sua partida. Eu era blindada, senhor, além de tudo... Que caia também o seu escudo.