segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Conversa entre orações.

A beata ainda se pergunta se ele já estava lá quando ela chegou ou se sentara ao seu lado depois. O que sabe é que durante o quarto ou quinto Pai-Nosso, dirigiu-lhe a palavra:
- Ei, psiu, moça! Moça! Por que rezas?
Voltou-se pra ele, estranhando seus trajes escuros e o capuz que lhe cobria o rosto. E num súbito de incredulidade, voltou-se de olhos novamente no altar, crendo na inexistência duma pergunta direcionada a si.
- Falo contigo, moça. - continuou o homem, de modo a dificultar ser ignorado dessa vez - Por que rezas?
A mulher cria ser vítima duma brincadeira ou jogo, então não deu rodeios:
- Rezo para Deus, para me manter em seu caminho. Para me manter de pé.
Uma pausa silenciosa sob o capuz. Talvez um riso.
- E por que acreditas em Deus?
Fosse o que fosse, a brincadeira começava a incomodá-la.
- Ora, não há motivo para acreditá-lo. É a minha fé.
- Você nunca viu Deus.
- E é por isso que é fé.
- Você não tem provas de que ele existe.
- Mas acredito.
- Você deve estar precisando de algo. O que é?
- Apenas estou fazendo a minha oração...
- Dinheiro? Uma casa? Um carro?
- Não estou...
- Um homem, talvez?
- Só estou orando!
- Orações também não são baseadas em pedidos? Não é tudo vaidade?
- O que queres?!
- E a vaidade não é um pecado?
Ela não queria escutar mais e voltou-se em sua oração, tentou concentrar-se, remexeu-se. Estava inquieta. Que queria aquele sujeito?
E, sussurrada ao pé do ouvido dela, veio a pergunta que a fez arrepiar-se por inteiro.
- E no Diabo, acreditas?
Assustou-se. Respirou fundo. Deixou-se abalar. Estava ainda mais inquieta, temerosa. Já fora tudo longe demais.
- O que queres de mim?
- O que queres de Deus?
- Deixa-me em paz!
- Falta-lhe dinheiro?
- Vai-te!
- Falta-lhe paz? Ou falta-lhe amor?
Ela ficou em silêncio. Fosse por não ter mais respostas, fosse por estar cansada ou por medo.
- Eu sabia. - murmurou o sujeito, recostando-se no banco, rindo alto - Todos vocês são iguais. Todos iguais.
A mulher fixou-se em sua oração, de olhos fechados, coração aos saltos. E, ao reabrir os olhos, encontrou-se a sós.
Quão silencioso era aquele homem pra retirar-se sem ser notado?
Sabe-se-lá porquê, mas a beata nunca voltara a pôr os pés naquela igreja. Como pretexto, diz ter conversado com o próprio Diabo ali.

5 comentários:

  1. Que texto!
    Estás de parabéns

    ResponderExcluir
  2. Adoro seus diálogos! Sua intensidade sempre choca com minha leitura! Simplesmente adorei. Parabéns, Anthony.

    ResponderExcluir
  3. que diabo ousado, de entrar numa igreja hein? mas discordo de uma parte, nem todos os pedidos são fruto de vaidade, creiio eu, mas gostei do texto sim

    beijo =*

    ResponderExcluir
  4. Onde estavas rapaz? Ou eu é que não havia notado neste simples e encantador blogue?

    Disposição métrica e feérica de palavras.

    Excelente.

    ResponderExcluir
  5. Indico mais um selo ao impecável E Quanto ao Tempo? ! http://goo.gl/hR59u

    ResponderExcluir