segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Picadeiro.

- Ora, vamos, o público já está esperando há tempo. - disse o Palhaço, com um aceno impaciente de mãos.
- Uma dama precisa de mais do que isso para estar pronta. - rebateu a outra, resistindo à pressão.
- Ha! - como um bom palhaço, ele zombou - Minha cara, cá pra nós, damas não têm pêlos na cara!
- Mas que ousadia!
- Vamos parar com essa briga, senhores. - interrompeu o Mágico, adentrando a pequena tenda de ceroulas e cartola na mão - Deixe que a dama se vista como quer, Palhaço. O público pode esperar mais um instante.
- Você ainda está de ceroulas? - já perdera a paciência há muito tempo, o Palhaço - Mas será possível...
- O que estamos esperando? - o intrometido malabarista já tinha a cabeça atravessada na abertura do recinto - Ah, claro, sempre a Mulher Barbada...
- Ignorantes! - esbravejou a mulher, que era a mais máscula entre todos os presentes - Tenho muito o que aprontar! Maquiagem, figurino, cabelo...
- O da cabeça ou o do queixo? - e lá vinha o anão, saindo de baixo de uma pilha de tralhas jogadas ao canto por algum outro circense descuidado.
- Mas ora...
- Cale-se você também, anão. - mas que mandão era o Palhaço! - E trate de preparar o picadeiro, antes que te esmague de um pisão!
- Mas para quê preparar o picadeiro agora? Se ainda nem as tranças na barba a mulher aprontou! - o mágico já não estava mais só de roupas de baixo, afinal. - E onde será que eu deixei a minha cartola?
- Epa! - foi o que escapou do malabarista enquanto caía sobre o anão.
- Mas será possível!?
- Agora só falta o vestido! - levantou-se a Barbada, dirigindo-se ao empoeirado guarda-roupa e a arrancando dele um imenso vestido que, pelo tamanho, notava-se que só dela poderia ser.
- Ótimo, ótimo. - resmungou o Palhaço, que já sentado estava -Anão, o que ainda faz aqui? Vai preparar o picadeiro como te mandei!
- Mas o que tenho que preparar naquela jossa? - apesar de pequeno, o homenzinho tinha lá a sua valentia - Não é só entrar lá e fazer toda aquela gente rir?
- Deixa o anão em paz, homem! - o mágico se pronunciou - A propósito, alguém aí viu a minha cartola?
- Ajuda-me com o vestido, Malabarista! - apesar de grande, o vestido não coubera em toda a grandiosidade daquela mulher, se é que compreendem.
- Lá vem a rolha-de-poço... - murmurou ele, segurando a parte de trás dos trapos da outra.
- Como é que é?
- Mas é verdade! - se intrometeu o Palhaço, de zombaria. - Precisa fazer um regime ou nem a lona vai entrar em você, mulher!
- Ignorantes!
- Onde será que coloquei essa cartola?
- Estão escutando? Eles já estão gritando!
- Anão, vá fazer o que mandei!
- Mas não há o que fazer...
- Como vou fazer o meu número sem a cartola?
- Ih, madame, o vestido não vai entrar...
- Mais rápido, mulher! O público já está em borbulhos!
- Como não vai entrar? Usei esse vestido há pouco tempo.
- Mas engordou em pouco tempo, também.
- Palhaço, para de escândalo e me ajuda a procurar a minha cartola.
- Você está me chamando de gorda?
- O público vai acabar derrubando o circo desse jeito...
- Alguém pode me ajudar a procurar a minha cartola?
E assim fez-se a confusão.

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