segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Em Sônia.

Ah, Sônia
Já não posso domir
Com tanto espaço nesta cama
Volta, diz que me ama

Ó, Sônia
Onde está você?
Vem curar as minhas olheiras
E os meus choros de noites inteiras

Ou, Sônia,
Sai da minha cabeça
Da minha cabeceira
Antes que a pálpebra apodreça

E se não é tua a canção de ninar
Prefiro estar acordado
Pois, de nada adianta descansar
Se não te tenho ao meu lado

Pois, Sônia
Se contigo não posso estar
Com quem haverei de sonhar?

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Eu não amo você.

Eu não amo você. Não. Nem os seus cabelos esplêndidos que esvoaçam ao vento e deslumbram à vista, pendurados como moldura em volta de seu fino rosto de pintura. Eu não amo você, não. Nem o seu sorriso branco que estampa a paisagem como o mais lindo e brilhante dos sóis e me queima a pele, os olhos, as entranhas e todo o ser. Não! Eu não amo você. Nem a sua doce voz que ultrapassa as barreiras dos tímpanos e dispara o coração como o mais incansável pandeiro, batucando uma canção desarmoniosa que dói na ponta dos dedos. E para quê haveria eu de te amar? Para perder-me para sempre em tua pele macia, em teus montes, planaltos e planícies que roçam o meu relevo sem piedade, e me arrepiam a grama da nuca sem rodeios e num só olhar. Não amo também o teu olhar! Aquele que traz a malícia, uns pingos de lágrima disfarçados num manto de grandes cílios e todos os outros sentimentos escondidos atrás da cortina de íris castanho-avermelhada. E bate forte o peito, e a mente grita o teu nome, e os olhos te procuram, e a pele sente a tua falta... Ah! Eu não posso amar você.

domingo, 18 de setembro de 2011

Carta ao Amor.

Caro amigo (ou seja lá o que você for),

Envio esta carta para te pedir que desocupe a parte que sobrou do que costumava ser o meu coração. Há coisas demais aí! Não há mais espaço para ti, nem para mais nada. E nem ninguém. Não, mais ninguém.

Peço também que avise aos teus companheiros de quarto (a Saudade, a Angústia, a Ansiedade e os demais agregados) para também se retirarem, pois, estes chegaram sem avisar ou sequer tocar a campainha e as dívidas não podem ser quitadas apenas com sofrimento.

E que se retirem rapidamente, nada de esperar o Tempo, pois este é um tratante! Demora a chegar e apesar do seu bom trabalho, não vale a pena deixar o recinto em cacos esperando a sua chegada. Eu mesmo o reconstruirei!

Por fim, peço que não façam alarde e que não danifiquem mais nada por aí. Pretendo vender o recinto o mais rápido possível, para quem quer que queira, se é que há. E se não o quiserem mais, quem sabe não o abandono? Só não quero alugá-lo a mais ninguém! Não, nem pensar.

E que me retorne com qualquer resposta que não sejam lágrimas.

Encarecidamente,
Luiz Amado.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O poema vermelho.

A poetisa rastejou, manchando o chão de poesia, de essência, de sangue. De dentes cerrados, de olhos fechados, de braços abertos. A lancinante dor percorria-lhe todo o corpo e ia esvair-se pouco abaixo da palma de sua mão. Nada de dor física, não, nada dessa dor superficial: Era dor na alma; a dor dos poetas.

E gritava os seus versos com precisão, as rimas fluíam de seu próprio corpo em tinta vermelha e iam espalhar-se no assoalho dando vida ao que era inegavelmente a maior das artes. O sofrimento expresso de modo concreto, os versos cor-de-carmim manchados com brutalidade no papel onde antes pisavam.

E tudo era sentimento: Das lágrimas secas ao redor de suas pálpebras à ira de seus pulsos arrastados contra o chão. Tudo era seu, tudo era arte. Tudo era apenas um poema, mas o maior deles. E no centro da grandiosa obra tinha a si mesma; em seu rosto, nada de sorrisos, nada de fingimento. Lá estava estampada a face que sempre possuiu por dentro: Aquela manchada de lágrimas e de sangue, mas de boca aberta, entalando um grito.

sábado, 23 de julho de 2011

Visita.

E adentrava a vizinhança, munido de um buquê de flores mortas e um conjunto de dentes tortos à mostra, além dos brilhantes olhos que agora mal lhe cabiam na face. E rondava entre os lares, os pilares, buscando aquele que era a morada de sua amada. Aquela que amava já de modo incondicional, a da pálida pele, dos curtos cabelos, a dos oleosos - e sempre vazios - olhos. E apesar de não portar nenhum grande sorriso ou braços abertos, ela sempre estava lá para recebê-lo de bom grado.

E lá estava ele batendo à sua porta de madeira apodrecida sob a luz da linda lua que subia aos céus, quase tão majestosa quanto a mulher que ali jazia. Sua por toda a madrugada.

Dali a pouco já estavam despidos e de corpo um no outro, num atrito gelado, embalados pelos urros que ele desferia aos quatro ventos, repetindo que a amava para que apenas as estrelas testemunhassem.

Por fim, se sentava, chorava um pouco, acendia um cigarro. Vislumbrava-a em seu frágil ser de porcelana, sem retribuição, enquanto a garota visava apenas o escuro véu de céu pendurado sobre as suas cabeças.

Então, quando o sol ameaçava pender sobre a linha do horizonte, vestia as roupas de sua amada com o mesmo cuidado criminoso - e apaixonado - que usou para despi-la. Daí volta a abraçá-la e beijá-la para só então devolvê-la ao seu túmulo e ir embora, carregando a mais suja e incontrolável das paixões em suas pesadas costas.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Maria Louca.

E lá estava a Maria Louca, como era chamada, sua doença não era pouca e numa cadeira estava entrevada. Cega, caduca e ah, tão maluca!

Tagarelava, tricotava, trepidava, tiquetaqueava, tornava e retornava. E o cuco, antigo amigo, carcumido em seu abrigo: Tão velho quanto ela, a velha.

- Tic, tac. - dizia o relógio.

- És tão engraçada! - respondeu a velha torta, virada para a porta - Há tempos ando sozinha, amiga galinha, sem ninguém para matar esta tristeza minha!

- Tic, tac. - respondia o passarinho, entrando e saindo do ninho.

- Não fosse tu, amigo urubu, estaria entregue, não negue. - e ia tricotando, marotando e desgastando.

- Tic, tac.

- Ora, esta já não tem mais graça! Outra piada, amiga garça, antes que eu fique cansada!

- Tic, tac.

- Arre! Mas que chata essa ave! - exclamou e não mais tricotou, a cara fechou e os punhos cerrou, se calou.

- Toc, toc.

- Cala-te!

- Toc, toc.

Que surpresa aquele ruído! Era na porta que haviam batido.

Foi o azar, a velha gritar:

- Pode entrar!

Mas qual foi a grande sorte: Quem batia era a própria morte.

sábado, 11 de junho de 2011

Deve ter sido um sonho.

Olá, leitores!
Eu estava aqui remexendo os meus arquivos e achei um texto. É de 2009.
Achei tão cômico e bobo que acabei postando aqui no blog. Aproveitando o Dia dos Namorados e tal (desgraçado!). Bem, eu espero que gostem.

Acordou.
- Onde está o Michael, mãe?
- Michael?
- É. O Michael. O meu namorado.
- Querida, você não tem namorado.
- Como não?
- Você tem?
- Claro que tenho! O Michael! Nós dormimos juntos e...
- Você dormiu sozinha.
- Dormi?
- Dormiu.
- Mas...
- Deve ter sido um sonho, querida.
- É, deve ter sido.
Naquele momento, ela acordou pela segunda vez. Dessa vez, de verdade. Há dias em que você acorda e percebe que, simplesmente, sempre esteve sozinho.