segunda-feira, 13 de junho de 2011

Maria Louca.

E lá estava a Maria Louca, como era chamada, sua doença não era pouca e numa cadeira estava entrevada. Cega, caduca e ah, tão maluca!

Tagarelava, tricotava, trepidava, tiquetaqueava, tornava e retornava. E o cuco, antigo amigo, carcumido em seu abrigo: Tão velho quanto ela, a velha.

- Tic, tac. - dizia o relógio.

- És tão engraçada! - respondeu a velha torta, virada para a porta - Há tempos ando sozinha, amiga galinha, sem ninguém para matar esta tristeza minha!

- Tic, tac. - respondia o passarinho, entrando e saindo do ninho.

- Não fosse tu, amigo urubu, estaria entregue, não negue. - e ia tricotando, marotando e desgastando.

- Tic, tac.

- Ora, esta já não tem mais graça! Outra piada, amiga garça, antes que eu fique cansada!

- Tic, tac.

- Arre! Mas que chata essa ave! - exclamou e não mais tricotou, a cara fechou e os punhos cerrou, se calou.

- Toc, toc.

- Cala-te!

- Toc, toc.

Que surpresa aquele ruído! Era na porta que haviam batido.

Foi o azar, a velha gritar:

- Pode entrar!

Mas qual foi a grande sorte: Quem batia era a própria morte.

sábado, 11 de junho de 2011

Deve ter sido um sonho.

Olá, leitores!
Eu estava aqui remexendo os meus arquivos e achei um texto. É de 2009.
Achei tão cômico e bobo que acabei postando aqui no blog. Aproveitando o Dia dos Namorados e tal (desgraçado!). Bem, eu espero que gostem.

Acordou.
- Onde está o Michael, mãe?
- Michael?
- É. O Michael. O meu namorado.
- Querida, você não tem namorado.
- Como não?
- Você tem?
- Claro que tenho! O Michael! Nós dormimos juntos e...
- Você dormiu sozinha.
- Dormi?
- Dormiu.
- Mas...
- Deve ter sido um sonho, querida.
- É, deve ter sido.
Naquele momento, ela acordou pela segunda vez. Dessa vez, de verdade. Há dias em que você acorda e percebe que, simplesmente, sempre esteve sozinho.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Cães.

Aquilo se tornara o nosso vício. Os urros, arranhões, beijos, a culpa, a dor. E o cheiro de sangue, o meu sangue, sempre preenchendo o ar. Me percorria com o ardor de um cão, como o animal que era. Arfava aos meus ouvidos, pingava de suor.

De luzes apagadas nada estava errado. Primeiro, a dor e as lágrimas. Depois, a culpa. Oras, não nos amávamos? O que há de errado em agir como amantes que éramos? Como os animais que éramos.

E ia, me preenchia, sem culpa, até que o meu sangue escorresse por sua barriga, até que eu implorasse pra parar. E levantava da cama, andava em círculos, não acendia as luzes. Não queria ver, nem lembrar. E me encontrar aos prantos era a maior prova do crime, do pecado. Como se não pudesse ouvir os soluços esganiçados que eu proferia através do escuro.

E cessavam-se os soluços, as lágrimas, ia-se o cheiro. Estávamos os dois sentados em lençóis sujos, no escuro. Silenciosamente.

Era sempre ele a quebrar o gelo, sua voz vinha sempre baixa, sibilante, pesada. Um cão rouco.


- Já está tarde. - sussurrava, no escuro, tateando em busca de uma das minhas mãos trêmulas. - Hora de ir, irmãzinha.

domingo, 3 de abril de 2011

Órbita.

Alucinados, os garotos. Os olhos fora de órbita, as cabeças fora do lugar. E só assim o mundo realmente gira. E gira. Gira até ficarem tontos, até colocarem tudo pra fora. E se arrastarem sobre o vômito, o suor, o sangue, os fluidos.
E riam, e caiam e não se recompunham. Nunca se recompunham. Só se despedaçavam, se dispersavam na fumaça e se encontravam no mesmo lugar. E ali no chão, sem tontura, com o mundo parado, os olhos parados... Eles eram os mesmos. Sem máscaras. E parecia ironia, mas de pé e sem cambalear tudo era mais difícil. E, de repente, o mundo já não girava mais e estava tudo lá. Toda a sujeira.
- Tem mais disso aí?
- É claro. Mas vamos ter de reutilizar as seringas.
E o mundo se mantinha girando, girando. Movido à droga. Longe de toda a lucidez, que é loucura. A loucura da vida.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Queda.

Sem saber o certo motivo, lá estava ele à beira da janela, fitando a pequena multidão que ia se acumulando lá embaixo.
Quando havia perdido todo o controle de si?
Buscou-a no meio de todos, em desespero, mas já crendo em sua ausência. Ela não estava lá.
Por que era tão difícil não ver o rosto dela no meio daqueles tantos outros?
Respirou fundo, abriu os braços. As pernas pendiam, o coração ia aos saltos.
E nem mesmo a atenção daquela a quem tanto era atento conseguira.
E então, era a queda livre. Em sua mente não passava aquele turbilhão de coisas que dizem que passa. Apenas ela cabia ali, em sua pequena cabeça.
E, antes de chegar ao chão, avistou o pequeno cartaz com aquelas palavras que causaram-lhe a sua última dor.
"Eu te amo".

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Umas linhas de amor impossível.

Lado a lado, olhos nos olhos, sorrisos, corações batendo descompassadamente. Até o céu parecia a favor deles, as estrelas, a lua, o mundo. Pois, que mundo? Se não existia mais nada ao redor deles além de si mesmos, um ao outro, os olhos do outro, as mãos do outro, a voz do outro.
E por fim nem o sentimento entendiam mais, jamais, não é coisa de se entender. Sentimento sem nome esse que não feria, não derramava lágrimas, sangue, não explodia o peito e nem doía a cabeça.
Satisfeitos, sim, apenas com a presença do outro. Apenas a existência do outro. A respiração. A sintonia. Dividiam os olhos, os olhares, as visões, fluidos, espasmos, se dividiam. Não eram mais donos de si, não eram donos de nada.
E apenas isso bastava, nada mais. Nem o resto do mundo. Aliás, que mundo?

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Cigarros.

Ambos portavam os seus cigarros acesos. Os olhos acesos.
Tragavam sem desviar o olhar um do outro, esperando que alguém se pronunciasse ou, ao menos, que os cigarros acabassem.
Estavam tão desgastados quanto os seus pulmões, tão dispersos quanto a fumaceira.
Os olhares eram fixos um no outro, mas a mente já divagava por outro lugar, por outros olhos.
De repente, parecia que haviam quilômetros separando uma poltrona da outra.
- Precisamos acabar com isso. - começou ele, despedaçando o que sobrara do cigarro no cinzeiro enferrujado.
E a paixão desenfreada de antes, que era como fogo aceso, ia sumindo, queimando, virando cinzas. Não passava de uma bituca.
- Tudo bem. - ela respondeu com uma impressionante calma - Mas os cigarros ficam comigo.